#2 a coragem de liderar imperfeito
a liderança imperfeita é sobre sustentar vínculos, nomear limites e não carregar sozinha o peso de uma cultura
na última news, falamos de amizade como estrutura de cuidado no trabalho — um antídoto à solidão que adoece silenciosamente milhões de pessoas.
mas existe uma camada onde a falta de vínculos, o excesso de solidão e a coerência fraturada se tornam ainda mais perigosos: a liderança intermediária, o chamado “meio pressionado”.
quem ocupa esse lugar não é “o dono”, mas também não é apenas contribuinte individual. é quem carrega a expectativa de fazer a estratégia chegar viva ao dia a dia, quem traduz metas em conversas, segura contradições, apaga incêndios — muitas vezes sem saber quem acendeu o fósforo.
quanto maior a organização, maior o custo invisível desse trabalho. como afirma David Graeber, em Bullshit Jobs, muitas camadas de gerência não existem para resolver problemas estruturais, mas para aparentar controle, amortecer tensões e distribuir ruído.
nesse ambiente, surge a solidão institucional em sua forma mais crua: quem "cuida" não é "cuidado”, quem escuta não é ouvido, quem tenta sustentar coerência não encontra reciprocidade. essa solidão não é acidente — é fruto de um modelo de gestão que transfere riscos para corpos humanos, transformando sobrecarga em virtude (Talogy, 2023). não é raro quem está na base enxergar a liderança como vilã pois é quem cobra prazos, nega pedidos, faz exigências. mas quase nunca é quem dita as regras do jogo. na prática, é mais uma pessoa trabalhadora — que, em troca de um salário um pouco maior (ou não), aceita mais tensão emocional, mais vigilância e menos rede de proteção.
essa posição, que parece privilégio, muitas vezes é uma armadilha que combina autoridade formal com fragilidade estrutural. não por acaso, o relatório State of Organizations (McKinsey, 2023) mostra que líderes intermediários são hoje os mais expostos ao burnout, sobrecarregados, com pouco suporte e quase nenhum reconhecimento real.
nomear essa solidão é uma estratégia de educar e engajar organizações: desloca a culpa do indivíduo para a estrutura, abre espaço para conversas mais produtivas e para ações sistêmicas.
“para ser líder é preciso encarar a solidão.” — annie dymetman
nós, acreditamos que vínculos não são bônus: são estratégia de saúde social que protege a potência de uma equipe de criar, decidir, inovar — juntos.
a pesquisa de Claudia Ramos (FGV, 2023) confirma: suporte coletivo, confiança real, autonomia legítima e reconhecimento frequente são fundamentais para uma cadeia de liderança saudável. é aqui que tudo se conecta com a amizade: a liderança do meio também precisa de vínculos reais — laços de confiança horizontal com pares, espaços de partilha segura com quem está acima e abaixo, amizades profissionais que não sejam vistas como fraqueza, mas como parte do sistema imunológico da cultura.
como ensina bell hooks, “o cuidado não é só afeto — é ação política.”
uma liderança coerente protege a si mesma, protege as pessoas e protege a cultura.
Max Carneiro resume: “quem lidera do meio é o ponto de equilíbrio entre estratégia e execução. se falha, a cultura falha junto.” mas se queremos cultura viva, precisamos parar de terceirizar o bem-estar desse elo a palestras motivacionais ou frases de efeito no mural. por isso, recomendamos que as organizações busquem:
redesenhar o papel da liderança do meio para aliviar sobrecarga operacional e estratégica, investindo em estruturas mais horizontais.
criar suporte real: mentorias de pares, rituais de confiança, práticas de saúde social.
valorizar explicitamente essa camada como guardiã da cultura.
liderar do meio é trabalho relacional. é sustentar coerência no caos. é ser vínculo vivo entre camadas que, sem esse corpo, não se encontrariam.
Fontes:
bell hooks. Tudo sobre o amor. 2021
Claudia Ramos de Oliveira. O desafio da liderança de outros líderes: um estudo de caso sobre o estilo de liderança preferido por líderes intermediários numa organização financeira de estrutura hierárquica amplamente verticalizada. 2023
David Graeber. Bullshit Jobs. 2018
Max Carneiro. O Desafio de Liderar do Meio: O Papel Vital da Camada Intermediária nos CSCs. 2025
Miriam McCallum. Como Superar o Burnout em Gerentes de Nível Intermediário. 2023
Mckinsey. The State of Organizations 2023: Ten shifts transforming organizations. 2023
presença que escuta
quando falamos de amizade no trabalho, falamos de uma rede que protege a saúde mental e social de qualquer pessoa — inclusive de quem lidera.
quando falamos de liderança do meio, falamos de quem precisa mais ainda dessa rede: vínculos que sustentem coragem para dizer não ao que é incoerente, para pedir ajuda sem vergonha, para lembrar que liderar é, antes de tudo, seguir sendo parte da classe trabalhadora — não um amortecedor humano para tensões estruturais.
ninguém faz isso sozinho.
por isso deixamos aqui um convite para que você reflita:
se for liderança:
que parte da pressão que carrego não é minha, mas do sistema?
com quem posso falar o que não cabe dizer em uma reunião de status?
como posso explicar para meu time o que eu mesmo questiono lá em cima — sem me tornar só tradutor de ordens?
quem segura a minha escuta quando eu seguro a de todos?
o que posso nomear hoje para abrir espaço de mudança, ainda que pequena?
se for uma pessoa liderada:
eu realmente sei quem toma as decisões que me afetam — ou culpo quem está mais perto?
quando foi a última vez que perguntei “como você está?” com interesse genuíno e escuta atenta?
que parte do que eu sinto falta (ou critico) não está na mão dela resolver?
que gesto meu poderia ajudar a construir uma relação de confiança mútua?
como eu posso reconhecer publicamente o que essa liderança faz bem, para que ela também se sinta visto/a?
esperamos que essa possa ser a faísca de uma reinvenção da relação entre pessoas trabalhadoras em um ambiente que nos empurra para a competitividade e para a aceleração.
o que pulsa por aqui
pra quem quer continuar pensando junto, deixo três indicacões que ressoam com o que compartilhamos hoje:
o livro a coragem de liderar, de brené brown é uma leitura que reconcilia liderança e imperfeição, presença e limites. para quem ainda não leu ou quer reler com outras referências em mente, tamos achando que vale ein.
um episódio do podcast do médico mais amado do brasil, Dr. Dráuzio, sobre burnout de uma forma direta, humana e necessária, como sempre <3
e um do podcast o corre delas, da Luanda Vieira, em que recebe a Laura Salles para falar sobre a força de ser vulnerável e o cuidado de si quando tudo aperta.
gostou dessa edição?
envie pra alguém que você gostaria que lesse.
e se quiser conversar sobre seu time, sua cultura ou suas lideranças, é só me chamar para um cafezinho.